quinta-feira, 26 de abril de 2007

As Preocupantes Contas do Belenenses

"Cabral Ferreira: Vivi situações muito dolorosas no Restelo há 10 anos, pelo que, neste momento, terei de dizer, obrigatoriamente, que a situação financeira é muito boa. As últimas direcções fizeram um belíssimo trabalho, respira-se tranquilidade, pelo que espero continuar a proceder do mesmo modo e, assim, contribuir para o equilíbrio financeiro do clube."

Cabral Ferreira in Record, em 30 de Março de 2005

"Continuidade é sempre boa se as coisas estiverem bem feitas. Sou solidário com tudo o que foi feito pelas últimas Direcções do Belenenses. Aliás está à vista o que foi feito."

Cabral Ferreira in A Bola, em 1 de Fevereiro de 2005

...O Clube não tem, obviamente, um problema de passivo.

in Relatório e Contas de 2006, nota 4)

Artigo do Prof. Nuno Valério*, candidato a Presidente do Conselho Fiscal pela Lista C, a propósito do Relatório e Contas 2006 do Belenenses:

"Rabo de fora...

As contas não deixam dúvidas quanto a dois problemas:

1º A SAD Futebol (de acordo com a informação complementar) está tecnicamente falida, ou, se se colocar a questão de modo mais favorável, a manterem-se as tendências existentes, estará totalmente falida durante o ano de 2007, porque o resultado médio dos últimos três anos (700 mil euros negativos) tem aproximadamente o mesmo valor absoluto que a situação líquida (700 mil euros positivos).

Esta situação líquida resulta de a um capital de 5 milhões de euros se abaterem prejuízos acumulados de 4,3 milhões de euros, ou, noutra perspectiva, de a um activo de 6 milhões de euros (do qual 5 milhões de euros é dívida do clube) se abater um passivo de 5,3 milhões de euros.

A Direcção afirma (nota 6 da página 1 do Relatório) que este passivo não é exigível a curto prazo (o que contradiz a informação complementar). Todavia, isto apenas significará que à falência técnica não se acrescenta um problema de tesouraria imediato.

2º Das receitas do clube (9,5 milhões de euros), mais de metade provêm do bingo (5,4 milhões de euros), que é a única actividade que proporciona resultado positivo (2,3 milhões de euros). Ora, para além de uma dependência desta natureza e dimensão não ser conveniente, as receitas do bingo estão, uma vez mais para colocar a questão de modo favorável, estagnadas há vários anos.
Há, portanto, razão para preocupação…

...com gato escondido?

… que aumentará se se notar que:

3º Também o clube tem um horizonte de falência técnica não desprezável.
Na verdade, o activo são 27 milhões de euros, mas 20 milhões de euros correspondem a imobilizações (basicamente estádio) necessárias para a actividade do clube e, por isso mesmo, não transaccionáveis e 2 milhões de euros correspondem a participação na SAD, pelo que o activo realizável é de apenas 5 milhões de euros. Em contrapartida, o passivo são 24 milhões de euros, dos quais 14 milhões de euros correspondem a proveitos diferidos (isto é, receitas antecipadas), 5 milhões de euros a dívidas à SAD e 5 milhões de euros a outras dívidas. Fica, portanto, uma situação líquida de 3 milhões de euros. Os resultados líquidos anuais têm andado pela ordem de grandeza de 2 milhões de euros, o que sugere uma situação apenas um pouco melhor que a da SAD (ano e meio em vez de um ano para a falência técnica). Aceitando, porém, que cerca de 3/4 destes resultados são fruto da mera contabilização de amortizações, o panorama fica mais desanuviado (apenas com os prejuízos operacionais, o horizonte de falência técnica passa para seis anos).

4º O passivo excede o activo realizável em 19 milhões de euros, o que sugere uma situação financeira de longo prazo difícil. Aceitando, porém, que o passivo exigível são apenas as outras dívidas, o panorama fica outra vez mais desanuviado (há equilíbrio entre o passivo exigível e o activo realizável).

5º O passivo exigível reconhecido pela Direcção é todo de curto prazo, o que sugere uma situação financeira de curto prazo difícil. Aceitando, porém, que o activo realizável é também todo de curto prazo, o panorama fica ainda outra vez mais desanuviado (tal como na SAD, não há problema de tesouraria).

É nesta perspectiva optimista que é possível à Direcção dizer (nota 4 da página 1 do Relatório), que “o Clube não tem, obviamente, um problema de passivo”. Contudo, uma consolidação (assumidamente aproximada) dos balanços do clube e da SAD mostra que o activo consolidado deve ser da ordem de 26 milhões de euros (dos quais 20 milhões de euros imobilizados, 5 milhões de euros realizáveis pelo clube e 1 milhão de euros realizável pela SAD) e o passivo consolidado da ordem de 24 milhões de euros (dos quais 14 milhões de euros de proveitos diferidos do clube, 5 milhões de euros de dívidas exigíveis ao clube e 5 milhões de euros de dívidas exigíveis à SAD). Por outras palavras, o conjunto clube + SAD terá uma situação líquida positiva de 2 milhões de euros, uma situação financeira líquida negativa de 18 milhões de euros e uma potencial situação financeira líquida de curto prazo negativa de 4 milhões de euros. Será, por isso, mais realista dizer que o Clube tem, obviamente, um problema de passivo."

*Nuno João de Oliveira Valério

Nascido em Lisboa em 1953. Licenciado e doutor em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa.

Professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão.

Foi Presidente do Conselho Directivo, do Conselho Científico e do Conselho Pedagógico do Instituto Superior de Economia e Gestão, Presidente da Associação Portuguesa de História Económica e Social e da Associação Portuguesa de História das Relações Internacionais, Director das revistas Estudos de Economia e Revista de História Económica e Social e membro do Conselho Económico e Social.

É membro da Direcção da Ordem dos Economistas. Sócio do Clube de Futebol “Os Belenenses” desde 1981, hoje com o número 3848.

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